segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Pântano

    Voar. Um dos piores pesadelos estava se tornando realidade, aparentemente.
    -Pai, você o quê? Comprou um... Um avião? Não, isso não é possível... Só acredito vendo. – falava, ao telefone. Aparentemente era uma loucura muito grande, realmente, seu pai com um avião. Mas no dia seguinte ela viu que era verdade. Não era um avião grande, cabiam no máximo umas dez pessoas, mas não deixava de ser loucura, afinal o que ele faria com um avião? Ela não entendia.
    -É um avião, não um carro, pai!
    -Calma menina. Não fique aflita – dizia seu pai, zombando dela.
    -Não sei da onde você tirou essa idéia! Vai fazer o que com isso agora? Colocar na garagem da sua casa como se não fosse nada demais, como se fosse comum? Você é louco! – estava louca de raiva por seu pai ter comprado coisa tão absurda. Mas a surpresa era que ele tinha permissão de andar ou decolar com aquilo na rua.
    -Vamos, vamos. Estamos atrasados, vamos logo!
    -Onde, pai?
    -Pegar seus primos para voar.
    -Ah então quer dizer que além de tudo ainda vai colocar um monte de gente dentro desse mini-avião e tentar voar? Você nem sabe pilotar, isso que é pior.
    Mas não. Ele sabia, e muito bem. E na verdade, quem acabou indo voar com os dois foi sua irmã e alguns amigos, e foi divertido. Assustador, mas divertido, apesar de o tempo todo ela ficar olhando se estavam todos em segurança e nem se preocupar em olhar a paisagem lá embaixo. Até que desceram, para ocupar o resto dos lugares do avião. Ela ia junto novamente, mas por “brincadeirinha” acabaram deixando-a para trás, na rua e longe de casa. Não demorou até que o avião voltasse, mas não era seu pai quem pilotava, e sim um professor de sua escola. Seu pai agora estava como passageiro.
    -Continuamos atrasados, ouviu mocinha? Entra aí atrás e vamos logo com isso. Está faltando alguém? – seu professor estava irritado, como sempre.
    Voaram por um longo tempo, até chegarem a um lugar totalmente alagado.
    -É aqui que vamos descer. Muito obrigado, e volte na hora que combinamos, por favor. – dizia seu o professor ao seu pai, que não gostou nada da idéia.
    -Como a gente vai descer aqui, se tá tudo alagado? – perguntavam um de cada vez, de maneiras diferentes.
    -Assim. – e jogou um pára-quedas para cada um, apesar de estarem voando muito baixo. Gritou alguma coisa e pulou, fazendo sinal para todos irem também. Tomaram coragem e foram um de cada vez, pulando com cara de pessoas com medo de morrer, afogados ou na própria queda.
    Andavam por aquele lugar alagado, que estava inundado, que geralmente não era daquele jeito. Com a água que era espessa e turva na altura da cintura, levantavam os braços para desviar das plantas, de todo tipo de coisa que aparecia no caminho. Mais à frente, viam pessoas construindo casas acima do nível da água, e ela estava com medo de que tivesse algum animal naquela água que atacasse de surpresa, queria sair dali, subir em algum lugar e ficar em segurança. Pois bem, chegou a hora de subirem em uma casa para visitarem o morador. Ela estava com uma parte em reforma, e foi justamente por lá que subiriam. Pedaços de madeira serviam de andaime e apoio. Quando se apoiou em um desses, sentiu as centenas de farpas encostando nos seus dedos, e sentiu que várias entraram por sua pele. Imediatamente ela soltou, e conseguiu ver muitas farpas compridas presas em seus dedos. Tentava tirar, mas a dor era como se aquelas míseras fibras arrancassem cada dedo, como se estivessem atravessadas nos dedos e não quisessem sair.
    Entraram na casa e ela logo pediu por um banheiro para tentar achar alguma coisa lá, nem que fosse água fria para que pudesse aliviar sua dor. Chegando lá, abriu uma porta velha de madeira seguido de um pequeno portão com mais ou menos um metro de altura. Abriu os dois, e fechou-os para poder procurar algo para tirar aquilo de suas mãos, sem que ninguém visse e reclamasse. Era um banheiro que talvez fosse maior que a própria casa, era arrumado e não combinava com o lugar, pois era limpo, era novo, era bonito, parecia-se com o de um hotel. Uma banheira no meio, vários detalhes em madeira escura por todo o espaço. Enfim, revirou armários e gavetas, achando uma pinça. Ligou a torneira, lavou as mãos com todo o cuidado e sofrendo de dor, para que as farpas não entrassem mais fundo.
    Tirava-as com cuidado, mas via sangue. Pareciam comuns sendo pequenas e simples. Mas as partes que estavam dentro da pele eram mais grossas que o normal, e tiravam sangue. Por fim lavou a mão sentindo que a mão inteira ardia, queimava. Sentou-se sobre a pia e estancou o pouco que ainda sangrava com papel higiênico. Olhou pela pequena janela e só viu a paisagem alagada, pensou que talvez já estivesse ali dentro por muito tempo. Jogou o papel com sangue fora e tentou abrir a porta. Mesmo destrancada, não abria. Ela empurrava, mas continuava emperrada. Ouvia risadas dos seus amigos por fora, e então começou a gritar para que eles deixassem de brincadeiras sem graça e soltassem-na. Quando parou, não ouvia mais ninguém rindo, e não vinha mais som da onde o resto do grupo estava. Um pequeno desespero começou a crescer dentro dela, mas tentou se manter calma. Desistiu por um momento de tentar abrir a porta e virou-se de costas para a porta. Viu um amigo sentado na borda da banheira olhando para ela.
    -Cara, como você entrou aqui? – gritou assustada.
    -Abra a porta. – disse ele.
    -Não consigo.
    -Ora, tente novamente.
    Ela tentou, e a porta se abriu facilmente. Saindo de lá, viu todo o grupo ainda no mesmo lugar, com o professor ainda explicando o mesmo assunto.
    -Vejam se não é a menina das farpas! – dizia o professor.
    -Por quanto tempo fiquei lá dentro? – perguntou sussurrando a uma colega ao seu lado.
    -Ué, você acabou de entrar. Conseguiu tirar todas?
    -Sim, sim... – levantou os olhos e o amigo que apareceu no banheiro estava logo a sua frente, sorrindo inocentemente para ela.

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Obs.: Um dos mais sem sentido. A partir do trecho das farpas, tudo era embaçado, embaralhado sem a mínima ordem, as coisas se transformavam de uma hora para outra. Portanto, coloquei a ordem que achei que ficaria mais coerente, a forma que eu entendi, também.

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