segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Abatedouro

    Correndo no meio do nada, a paisagem era noturna, em algum campo onde só havia terra no chão e em toda a sua volta. A lua estava enorme, como ela nunca tinha visto antes, pois cobria metade do céu que enxergava à frente. Corria rápido, mas estava exausta, não via a hora de parar, e sabia que alguém a seguia. Mas não estava com medo, estava feliz, era uma brincadeira. Apesar de nem conseguir respirar direito de tanto que corria, ela sorria, gargalhava. De repente, não sabia se tinha entrado em alguma plantação ou se aquilo começou a crescer muito rápido enquanto ela corria. De qualquer maneira, continuou correndo com as plantas mais altas que ela mesma.
    Abria caminho na plantação, já não sabia mais onde estava e não sabia se estava correndo em círculos ou se estava se afastando de onde deveria ficar. Para sua surpresa, acabou chegando a um lugar com uma grande concentração de pessoas, todas paradas e viradas para apenas um lugar, como se estivessem hipnotizadas. Havia uma voz transmitindo uma mensagem longa, talvez por um microfone ou algo do tipo. As amigas que corriam com ela apareceram logo em seguida, vindas de outros lugares. Começaram a procurar o lugar da onde vinha aquela voz, pedindo passagem, e andando rápido, ainda. Procuravam, mas não conseguiam ver nada, de jeito nenhum, e logo todos começaram a andar em direção a uma construção que era como um galpão, que também surgiu do nada, enquanto elas andavam entre as pessoas. Decidiram acompanhá-las, para ver o que aconteceria.
    Dentro daquele lugar, não era limpo, não era muito bem iluminado. Revestimento e azulejos brancos, por toda a parte, mas sujos. Uma sujeira que parecia estar grudada. Via-se que uma parte daquilo era barro, obviamente vindo do campo. Mas e o resto? Bem, é uma pergunta que elas pararam de se fazer para ver o que aconteceria em seguida. Acontece que a voz ainda não tinha cessado, ela continuava a transmitir a mensagem, enquanto todos entravam naquele lugar. Ela parou com certeza quando o portão de ferro pesado (pintado de branco e agora amarelado pela sujeira) desceu repentinamente, e todos saíram do estado de hipnotismo e começaram a gritar, tentando socar paredes e o próprio portão, para sair. Até chegar um momento, depois de alguns minutos, que alguns começaram a desistir e se sentavam encostados nas paredes, e elas entravam em desespero por ver tudo aquilo acontecer.
    O silêncio era presente, exceto por algumas pessoas falando umas com as outras depois de mais tempo ali dentro. Já estava ficando quente, pois não havia ventilação, apenas as luzes vindas de lâmpadas grandes penduradas em fios desde o teto. Existia outro portão além daquele por onde entraram, mas era exatamente igual. Logo encima um sinal vermelho, que estava apagado, e algumas placas onde se liam coisas como “Perigo” ou “Afaste-se”. Um sinal alto ecoou pelo galpão, e o sinal vermelho acendeu. O portão abriu, e novamente a voz falava.
    -Todos vocês devem entrar aqui agora. Devem entrar apenas alguns por vez. Não disputem, há um lugar especial para todos! É melhor, vocês verão que existe outro lugar melhor que este. – todos se olhavam, não sabendo exatamente o que fazer.
     E pouco a pouco, uma pessoa ou outra entrava ali. Era uma espécie de câmara, toda molhada com marcas no chão que diziam onde cada um deveria ficar em pé. Até que o número se completou, oito que se arriscaram. O sinal soou novamente, e o portão começou a se fechar. Chegou ao chão, a luz se apagou. Gritos foram ouvidos, mas pararam rapidamente. Em poucos segundos, uma poça vermelha começou a se espalhar para fora, entrando em um ralo próximo ao portão. Mulheres choravam, outras gritavam, e não foi diferente com os homens. Água começou a jorrar do teto, numa tentativa de lavar o sangue que se espalhava por todo o lugar, pisoteado e misturado com o barro nos sapatos das pessoas. Muitos começaram de novo a tentar escapar dali, e não demorou até que a voz voltasse. A água parou de jorrar.
    -Acalmem-se. Agora eles viram o melhor lugar que existe, e é a vez de vocês! Acreditem, acreditem! – algumas pessoas voltaram a ficar no estado de hipnotismo.
    O sinal tocou novamente, e mais entraram, apesar de outros gritarem para que não fizessem isso. “Vocês vão morrer!”, diziam. Mas quem entrava estava hipnotizado por algo naquela voz, algo que provavelmente os confortava, pois seus rostos eram serenos quando o portão se fechava mais uma vez. Homens choravam ao ver suas esposas entrando como robôs, e as acompanhavam, seguravam suas mãos, apenas por quererem ficar junto a elas até o fim. E assim continuou, até não sobrarem muitos, e, além disso, as últimas mulheres eram o grupo de meninas, que não sabiam o que esperar e não entrariam naquela câmara, por não quererem que seu sangue fosse espalhado pelo galpão como em um abatedouro de animais.
    Os últimos oito homens que ainda estavam conscientes perceberam que não tinham escolha, e que elas não entrariam ali. Rezavam antes que o sinal tocasse de novo e o portão se abrisse, para a salvação de suas almas. Falavam alto, pedindo perdão aos seus Deuses.
    Elas começaram a chorar. Mas o que as surpreendeu foi que assim que o sangue dos últimos homens escorreu, o portão não se abriu novamente. O que viria agora? Seriam assassinadas uma por vez? Não, o que vinha era ainda pior. Um barulho alto foi ouvido, e era uma parede movendo-se. Esta escondia o terceiro portão em uma rampa, com a diferença que esse tinha janelas encima. Duas delas se juntaram para ver o que tinha do outro lado, apoiando-se uma na outra. Quando conseguiu subir na amiga, do outro lado da janela, ela enxergou homens, e eles a enxergaram também. Todos querendo sair, e era possível ouvir os elogios que gritavam. Aquele sinal foi ouvido novamente, e elas foram rápidas em voltarem para o lugar onde estavam. O terceiro portão se abriu, e eles vieram na direção delas, todos gritando e comemorando, quase como animais. Elas encolhiam-se contra as paredes, enquanto a maioria deles tinha maldade nos olhos e malícia nas palavras. Até que se aproximaram poucos que não estavam assim, alguns que estavam tranqüilos.
    Conversavam com elas, mas mesmo assim eram as únicas e não perdiam a desconfiança. Até que um deles falou algo como “Quando vamos dar início, meninas?”, e elas não entenderam. Perguntavam o que isso queria dizer, no que seria dado início, e eles diziam “É a função de vocês. Fêmeas, estão aqui pra isso. Novas crias para mais abate.”


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Pequeno comentário: Argh, ainda bem que eu acordei! :S

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